Livros que causam, livros com causa
29/02/2024

Da violência contra escolas, por Bruno Mendonça Coelho

Bruno Mendonça Coelho é autor de Como tudo começou - A História do Universo, pai da Helena e médico formado pela Universidade de São Paulo. O texto foi publicado no dia 06 de abril, quinta feira, um dia após o ataque a uma creche em Bluemenau, Santa Catarina.     

 

Ontem, um homem matou quatro crianças numa creche e feriu mais algumas. Que horror!
Segundo a polícia, teria tido um surto psicótico.

Mas só isso explica tudo que ocorreu?
Qual o perfil das pessoas que cometem esse tipo de ataque?

É tentador buscar respostas simplistas, mas, como em acidentes aéreos, um motivo único não é suficiente para explicar o desfecho e vários fatores agem numa cadeia de eventos que acabam nesse fim terrível!

Antes raro no Brasil, ataques a escolas são comuns nos EUA, onde há mais estudos sobre o tema (e dinheiro para realizá-los). Tais estudos apontaram traços comuns aos agressores, embora cada caso seja único e deva ser avaliado com cautela em busca da corrente causal.

Entre os traços apontados por esses trabalhos, encontramos que esses indivíduos costumam ser solitários, socialmente desajeitados e com poucos amigos. Com frequência sofreram bullying, sendo ridicularizados, menosprezados ou humilhados.

Eles também têm dificuldades de empatizar, de se apegar aos outros e não se sentem pertencentes a grupos sociais específicos. Consequentemente, são frequentemente escanteados, largados ao ostracismo (vistos como páreas). Com o tempo, passam a desenvolver raiva e desejo de vingança pela alienação social que percebem (mas que também é real e não só uma impressão deles). Eles quase sempre são homens, muito ressentidos e, aos poucos, ocorre um escalonamento de sua agressividade em intensidade. Não apenas isso como frequentemente revelam suas intenções nas suas redes sociais, onde encontram eco em subculturas que exaltam a violência e a resolução de conflitos por meio da violência. Tais grupos têm sido pesquisados há anos, mas pouco se tem feito para minimizar seu impacto.

A maior parte dessas pessoas vem de lares desfeitos, ambientes com maior índice de violência doméstica, com pais ausentes ou em meio a divórcios tumultuados. Além disso, muitos passam por grandes dificuldades econômicas, além de problemas educacionais. Muitas vezes abandonam os estudos por essas questões. Por vários desses motivos elencados, não conseguem vislumbrar um futuro decente para si e, consequentemente, têm pouca expectativa de que terão uma vida boa pela frente. Alguns pesquisadores, inclusive, colocam o ato de violência contra as escolas quase como um tipo de suicídio, visto que estão dispostos a morrer durante o ato (o que frequentemente ocorre). Uma doença mental pode até estar presente, mas não é explicação suficiente. E os motivos que levam um portador de uma dessas doenças a se tornar violento são exatamente os mesmos que levam uma pessoa da população sem doenças se tornar violento. Entretanto, dois sintomas parecem estar mais relacionados ao aumento de comportamentos violentos: a falta de empatia (a pessoa é fria, sem apego pelos outros) e alucinações com vozes de comando que incitam o portador a cometer o ato (que são raras). O uso de álcool ou drogas é um grande facilitador para quaisquer desses dois grupos.

Como pano de fundo, um ambiente social violento e desigual, com baixas perspectivas de futuro, com grande apelo — e mesmo incentivo — ao discurso violento e à intolerância a pensamentos e posturas contraditórias favorece as ações de indivíduos que encontram na violência um modo de resolver seus problemas.

Mas, resta uma pergunta: como prevenir?

De maneira geral, algumas medidas podem reduzir a ocorrência de atos violentos: apoiar jovens com dificuldades sociais é essencial. Os grupos acabam se tornando modelos de comportamento e pessoas inseridas em grupos sociais mais dificilmente quebram regras. Como somos seres gregários, tendemos a respeitar as normas do grupo.

Encarar o treinar para resolução de conflitos e manejo de emoções como uma "disciplina" para os mais jovens. Isso ajuda demais na expressão das emoções e no aprendizado de autorregulação.

Implementar uma política nacional de tolerância zero ao bullying e à... intolerância. O bullying, mesmo quando não desencadeia comportamentos violentos é um grande fator de risco para que sofre. Mesmo no longo prazo. É necessário instituir a ideia de que diálogo e aceitação de diferenças é a tônica social.

Identificar e tratar transtornos mentais não pode ser deixado de lado. Indivíduos com o tratamento em dia têm seu sofrimento bastante atenuado e, com isso, vivem muito melhor.

Os pais também devem controlar as redes sociais dos filhos. A ideia de que seu filho se automonitorizaria é deveras singela. Crianças e adolescentes aprendem com o ambiente ao seu redor. Seja esse ambiente real ou virtual. Portanto, os pais e cuidadores devem saber onde seus filhos estão aprendendo e com quem. Você deixaria seu filho ir para um lugar que você não conhece e do qual nada sabe? Por que então ele pode entrar em grupos e sites dos quais você tudo ignora?


A redução do acesso a meios é outra medida importante. Um estudo de 2022 mostrou que a venda de armas de fogo foi, sim, associada a tiroteios em massa de 2015 a 2021 nos EUA. Portanto, restringir o acesso geraria menor risco para população.

Do ponto de vista escolar, o reconhecimento do contexto social dos alunos (e famílias) vulneráveis e ações (de vários entes) pode minimizar o risco de outros ataques. A escola poderia servir como indicador da saúde social daquela região. Todos os demais entes governamentais e da sociedade civil poderiam começar seu trabalho a partir das crianças.

Por fim... o importante papel da mídia. Sim, há efeito de contágio nesses casos. Como falei, somos seres sociais (para o bem e para o mal). Um caso que ocorreu hoje aumenta chance de outro futuro e essa chance é ainda maior dependendo da publicidade que o caso índice teve. Portanto, como nos casos envolvendo suicídios, é preciso muita responsabilidade ao noticiar situações como essa. Isso salva vidas.

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