200 anos de Independência: o grito é nosso!
por Chico Mieli
LANÇAMENTO
A RESISTÊNCIA NEGRA AO PROJETO DE EXCLUSÃO RACIAL (BRASIL 200 ANOS - 1822-2022). Org.: Helio Santos.
SÃO PAULO: 10/10 às 19h no Itaú Cultural - Av. Paulista, 149 | Bela Vista
RIO DE JANEIRO: 13/10 às 19h no Museu do Amanhã - Praça Mauá, 1 | Centro
200 anos da declaração de independência do Brasil. Um bicentenário. Vivemos este tempo. 100 anos atrás, foi a primeira transmissão de rádio do país que coroou, ao som da ópera O Guarani, meses de comemorações militares e diplomáticas.
Foi destino que, naquele 1922, um grupo de artistas e intelectuais tenha ocupado o Teatro Municipal de São Paulo com teoria de vanguarda e uma perspectiva cultural moderna? Mais ainda, que o conjunto dos Oito Batutas de Pixinguinha e Donga tenha saído em excursão para tocar samba em Paris? Ou que, na Bahia, uma mãe de santo chamada Menininha tenha sido empossada ialorixá do importante terreiro do Gantois?
De novo: no mesmo 7 de setembro de 1922, nasceu Paulo Autran. Em 1972, dali a exatos cinquenta anos, o ator protagonizou a peça inspirada na história de Don Quixote, O Homem de La Mancha: musical estadunidense engajado, de inesperado teor revolucionário. Comemorava-se o Sesquicentenário da Independência, vivia-se sob ditadura. O amor à pátria era compulsório porque sobretudo os poderosos adoram as efemérides e todo calendário que celebre seu triunfo e sua conservação. No teatro, Paulo e Bibi Ferreira – também nascida em 1922 –, cantavam: Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é facil ceder… Em cena, pela primeira vez, um Sancho Pança negro: ninguém menos que Grande Otelo.
Fora da brincadeira numerológica, não se procura um nexo entre todos esses eventos. Por coincidência ou vocação, no entanto, falamos de figuras que lutaram exatamente contra a margem de determinação da História, subvertendo as expectativas de seu tempo no teatro, na música, na liderança religiosa, nas artes e nas literaturas. Enquanto isso, cem vezes 7 de setembro se sucedendo, mais cem, cheios de sentido e ao mesmo tempo absolutamente esvaziados.
Lembrar e reviver o dia em que o príncipe Dom Pedro de Bragança decidiu por gritar tem de ser: lembrar que foi pouco grito para muita garganta e que a voz no Ipiranga, sozinha, libertou quase nada ou coisa alguma. Ressignificar a independência do Brasil passa por reduzir a sua centralidade como episódio celebrado para destacar as formas – limitadas e incompletas – do seu processo social. Antes de tudo, ouvir quem participou desse processo sem penetrar na oficialidade dos seus registros.
A convenção é o de menos; daí que este texto chegue atrasado ao feriado cívico, mas em tempo de um lançamento a seu modo mais importante que data, pompa e parada: a reunião de 34 escritores, poetas e ativistas negros, mais alguns desses nomes que atravessam expectativas e encontram brechas nos consensos do discurso nacional para se posicionarem e refletirem criticamente. Ocupam um vazio bibliográfico e histórico, abordando as lutas e as várias reações contra o projeto de exclusão racial brasileiro que é séculos mais antigo e, no entanto, recebeu nome e confirmação no novo Estado autônomo em 1822.
O resultado é a coletânea de ensaios organizada por Helio Santos, A RESISTÊNCIA NEGRA AO PROJETO DE EXCLUSÃO RACIAL (BRASIL 200 ANOS - 1822-2022), edição da Jandaíra em parceria com o Instituto Çarê. Vale citar todos os integrantes do livro: Amauri Mendes Pereira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Maria Gonçalves, Ana Vitória Luiz e Silva Prudente, Anielle Franco, Bianca Santana, Carlos Alberto Medeiros, Celso Prudente, Cida Bento, Conceição Evaristo, Cuti (Luis Silva), Denise Carrascosa, Dennis de Oliveira, Djamila Ribeiro, Edna Roland, Eliane Barbosa da Conceição, Elias de Oliveira Sampaio, Elisa Lucinda, Helio Santos, Jacqueline Gomes de Jesus, Joel Zito Araújo, José Enes de Jesus, Kebengele Munanga, Marcilene Garcia de Souza, Mário Theodoro, Michael França, Nivia Luzia Silva de Santana, Renato Ferreira, Samuel Vida, Sueli Carneiro, Valdirene Silva de Assis, Valter Silvério e Zelia Amador de Jesus.
Então, 200. Os números redondos, dezenas e centenas inteiras, nos fascinam e relativizam qualquer ideia de arbitrariedade. O tempo parece feito só de propósitos. Tudo vira caso de destino ou de teatro. Mas a peripécia já é outra e vêm da plateia os gritos que se fazem ouvir mais altos e mais vivos! Tão coloridos como a fotografia de Walter Firmo que ilustra este post, com a presença inquietante de um corpo negro e embandeirado assistindo, braços cruzados, o desfile que passa à sua frente...
CRÉDITO DA FOTO (reprodução): WALTER FIRMO, Parada de 7 de setembro, Rio de Janeiro, RJ, década de 1980. ACERVO DO INSTITUTO MOREIRA SALLES